HISTÓRIA DE CANGUARETAMA

HISTÓRIA
Do livro Povo dessa terra
Francisco Alves Galvão Neto
Páginas 11 á 17.

O NOME URUÁ
Em seus estudos, Câmara Cascudo afirmava que uruá ou aruá é uma palavra do vocabulário tupi, iuru-á, e que significa boca aberta. Esta é a denominação que os indígenas usavam para o caramujo e foi certamente a abundância desses animais nos rios, córregos e lagoas da região que originou o topônimo .
Não se sabe desde quando existia essa denominação para o lugar, mas é provável que o povoado tenha surgido a partir do século XVIII, quando nativos desgarrados de seus aldeamentos se juntaram com quilombolas e mestiços para formarem, sem grandes pretensões, uma comunidade. Seus habitantes não incomodariam aos proprietários das redondezas; ao contrário, deveriam colaborar com mão-de-obra de baixo custo.

1 Uruá é também o nome de uma árvore (Cordia alliodora) da família das boragináceas, de florestas e capoeiras, que possui folhas variáveis e cobertas de pêlos estrelados, sua madeira é pardo-clara, leve e macia.
2Há também um povo indígena denominado de Aruá, que é do tronco linguístico tupi, habitantes das margens do rio Branco, no Acre.
3 Também chamado de lolô, é um molusco gastrópode, do gênero Ampullaria, com cerca de 34 tipos no Brasil. Vive na água ou em locais muito úmidos. Fecha-se na concha por meio de um opérculo e seus ovos, caracteríscos, aparecem no caule de plantas aquáticas sob a forma de pequenos aglomerados brancos, cor-de-rosa ou alaranjados.
4 De top e ônimo, nome próprio de lugar.

A isso se acrescente o incidente da morte de André de Albuquerque Maranhão, quando o engenho Cunhaú foi confiscado pela Coroa. O governo teria ficado com suas propriedades entre 1817 e 1823. Nesse período, a contra-revolução teria se aproveitado para depredar as propriedades da família Maranhão na província.
Por esse motivo muitos trabalhadores tiveram que abandonar o engenho e alguns escravos aproveitaram para fugir. Essas pessoas deram início a vários núcleos populacionais e foram fundamentais para a consolidação do povoado de Uruá. É por esse motivo também que o Brigadeiro Dendé Arcoverde, herdeiro do Cunhaú, opinou para mudar o nome do lugar para Canguaretama.
O escritor Manoel Ferreira Nobre mencionou, ainda no século XIX, o local afirmando que era apenas um povoado distante três léguas de Vila Flor, habitado por índios que fabricavam vasos de barro, cuias, cestinhas de palha e cordas.
Há, sem dúvidas, uma ideia de pobreza empregada para o lugar que também foi expressa pelo escritor Nestor dos Santos Lima ao afirmar que esse lugar [era] um pobre arraial, onde não havia sequer um templo ou capela.Acrescenta ainda que, enquanto era apenas o Saco do Uruá, o lugar estava habitado somente por índios e negros.
Mas, essa ideia de atraso do povoado pode estar equivocada, pelo menos ao que diz respeito a meados do século XIX. É só observar atentamente o que dizia o então presidente da província, em 1857, Costa Dória, quando rejeitou o projeto da fundação de Canguaretama pela primeira vez:
Se Uruá vai se tornando um povoado importante e há esperança de que há de florescer para o futuro, não é a categoria de vila que lhe há de dar o crescimento...
Ele tinha razão. O território de Canguaretama sempre foi especial e disputado por vários povos desde os mais remotos tempos: potiguares, tarairius, franceses, portugueses, espanhóis e holandeses brigaram para estabelecer seus domínios nessa terra.

O NOME PENHA
O nome Penha foi uma insistência da parte do frei Serafim de Catania, que teria rebatizado o local em suas pregações pela região. O religioso fazia essa prática pelo Nordeste, como ocorreu por volta do ano 1850, quando ele mudou o nome da localidade de Caiçara para São Rafael .
O frei Serafim teria induzido a Câmara de Vila Flor a oficializar a mudança, ocorrida na sessão ordinária do dia 22 de junho de 1858. Naquela data, vereadores aprovaram o nome de Povoação da Penha para substituir Povoação do Uruá. Dessa forma, Penha foi o nome oficial do povoado, muito embora, por pouco tempo, apenas 27 dias.
5 Frei Serafim, italiano, missionário capuchinho da ordem dos franciscanos, nasceu em 1811, na cidade de Catania, na ilha da Sicília. Faleceu em 1887.
6 São Rafael é um dos municípios do Rio Grande do Norte. Mesmo não sendo bem aceita pela população, a denominação persistiu até a atualidade.
Já em 19 de julho do mesmo ano ocorreu outra mudança, com o presidente da província aprovando a transferência da sede administrativa, que saiu de Vila Flor e foi para o Povoado de Penha, renomeado para Vila de Canguaretama.
A denominação de Uruá desapareceu desde então. O antigo nome do lugar parecia incômodo, um caramuginho insignificante, feio, de raízes indígenas . O povoado estava ganhando ares de crescimento, precisava de outro nome. Nesse contexto nasceu a disputa entre os que queriam Vila da Penha e os que defendiam Vila de Canguaretama. O escritor Nestor Lima afirmava que essa duplicidade de designação, para o local, originou desgostos entre os habitantes.
Para resolver o problema foi feito um acordo entre as partes e, então, o nome Penha passou a ser oficial apenas aos atos de caráter eclesiástico . O nome Vila de Canguaretama serviria aos atos da administração civil. Esse acordo foi ratificado pela Lei Provincial n° 468, de 27 de março de 1860, e confirmava o nome Penha apenas para a freguesia .
Oficialmente, o nome do município sempre foi Canguaretama, mas o povo, fortemente influenciado pelo catolicismo, insistiu no uso da denominação Penha, que ficou como um apelido para o município. Câmara Cascudo esclarece que essa era a denominação popular, jamais oficializada. Na confusão de tantos nomes, um poeta anônimo logo recitou seus versos:

Oh,Vila,dizeteunome, 
Tambémquerotechamar! 
TuésViladaPenha, 
Canguaretama ou Uruá?

7 Em um ato preconceituoso, até hoje, a cultura indígena está ligada a uma concepção negativa e impiedosa que vê os nativos como preguiçosos, violentos, atrasados e não confiáveis.
8 Usado nos documentos da Igreja Católica.
9 Por esse acordo, pela primeira vez, pelo menos no Rio Grande do Norte, Estado e Igreja são separados durante o império, num acordo confirmado pelo Poder Legislativo provincial.
10 Povoação, sob o aspecto eclesiástico. Em última instância é a paróquia.

A CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO
A fundação do município de Canguaretama ocorreu, segundo a historiografia tradicional, por causa de uma disputa pessoal entre dois políticos da região. Sobre esse assunto, Câmara Cascudo escreveu o seguinte:
O padre José de Matos Silva, vigário de Vila Flor, desde 1846, era do Partido Conservador e zangou-se, ferozmente, com Sebastião Policarpo de Oliveira, senhor do engenho Juncal, do Partido Liberal.
Essa intriga deveria ter sua origem nas disputas políticas entre os dois partidos do Império. Padre Matos tentava, então, interromper o crescimento eleitoral de Sebastião Policarpo. Um modo rápido e eficaz seria transferir a sede municipal de Vila Flor para a povoação de Uruá, uma localidade isenta de influências partidárias . Como o Partido Conservador gozava do poder, a tarefa parecia fácil.
Dessa forma, em 1857, o projeto foi rapidamente aprovado pela Assembleia Provincial. A povoação do Uruá se transformaria na sede do município com a denominação de Vila de Canguaretama. A freguesia continuaria em Vila Flor até que a nova vila possuísse um templo decente. Para isso, o governo imperial arcaria com as despesas de construção de um templo religioso.
O presidente da província, Bernardo Machado da Costa Dória, recebeu o projeto para sanção em 20 de abril de 1857. Tinha sido empossado no cargo no início daquele mês e sua resposta foi dada nove dias depois, recusando. Ele pronunciou-se dizendo ser inconveniente essa transferência...
...pois Vila Flor já existia há muitos anos e não era prudente contrariar hábitos antigos, despertando rivalidades que sempre trazem desagradáveis consequências.
Muito contido, Costa Dória opinou que seria melhor a criação de uma nova vila do que uma transferência irrefletida e precipitada. Lembrou ainda que o projeto criaria uma despesa imediata de dois contos de Réis e, certamente, outras para o futuro.
O padre José de Matos , então, aguardou outra oportunidade, que não tardou muito. Em 19 de maio de 1858, Costa Dória deixou o cargo, mas ainda não era o momento . O padre esperou o outro presidente, Antônio Marcelino Nunes Gonçalves, tomar posse em 18 de junho de 1858. Essa era a oportunidade. Como presidente da Assembleia Provincial , o padre José de Matos Silva reenviou o projeto original, pedindo a sanção. Parecia combinado. Um mês depois de assumir o cargo, o novo presidente sancionou sem discutir e, talvez, sem fazer nenhuma leitura do projeto.
12 Indicado pelo Imperador, Bernardo Machado da Costa Dória assumiu a presidência da província em 1° de abril de 1857.
13 O projeto de transferência da vila foi recusado pelo presidente da província em 29 de abril de 1857.
14 Existe uma versão da tradição oral que afirma uma suposta amizade entre um irmão do Padre Matos e o Imperador Dom Pedro II.
15 O vice-presidente, Otaviano Cabral Raposo da Câmara, assumiu o governo da província interinamente.
Dessa forma, entrou em vigor a Lei n° 367, de 19 de julho de 1858. Canguaretama passou a ser um dos municípios do Rio Grande do Norte. Vila Flor ficou reduzida à condição de simples povoação dentro do território que foi a sede durante 89 anos. O padre Matos deveria ter um imenso poder sobre todos os seus paroquianos, além de uma maioria inquestionável na Câmara de Vila Flor.
O escritor Luís da Câmara Cascudo dizia ter vasculhado o arquivo da Assembleia Provincial à procura de algum protesto contrário à transferência, mas não o encontrou. Com exceção de Sebastião Policarpo e de Costa Dória, não houve ninguém contra. Parece que todos estavam de acordo com a mudança.
A última sessão na Câmara Municipal da extinta Vila Flor aconteceu em 28 de agosto de 1858. A primeira sessão da Câmara na Vila de Canguaretama ocorreu no dia 18 de setembro do mesmo ano. Assim começou a história de um novo município do Rio Grande do Norte: Canguaretama.
16 Equivalente a Assembléia Legislativa atual.
17 O município de Vila Flor tinha sido criado pelo Alvará Régio de 3 de maio de 1755, que mandou transformar os aldeamentos indígenas em Vilas. O município foi instalado pela Carta Régia de 1769 e confirmado pela Resolução do Conselho do Governo de 11 de abril de 1833. Um município com o mesmo nome foi instalado em 1964.

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